A Era pós-moderna e o processo da globalização
Texto de autoria de Juliana Cardoso Ribeiro*
“A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” — e isso significa basicamente o mesmo para todos”
Zygmunt Bauman (1999)
Tendo em vista as transformações ocorridas nos finais do século XX, muitos autores tentaram explicar o que viria depois da modernidade, utilizando-se, para tanto, de expressões e teorias diversas para decifrar e nomear o fenómeno. Na tentativa de chegar a uma resposta e à elucidação da questão, muitos elaboraram teorias, que aqui exemplificamos através da modernidade tardia ou radicalizada, de Anthony Giddens; a modernidade líquida, de Zigmunt Bauman; a hipermodernidade, de Gilles Lipovetsky, entre outras. O termo pós-modernidade teve, contudo, maior popularização através do autor Jean-François Lyotard, o qual relacionou a pós-modernidade com “um deslocamento das tentativas de fundamentar a epistemologia e da fé no progresso planejado humanamente”. Há, pois, o desaparecimento da narrativa, a ausência do enredo que liga o nosso passado a um futuro pré-imaginável. Há também diversificadas reivindicações de conhecimento, nas quais a ciência não é privilegiada (Giddens, 1991: 8-9).
Todas essas classificações acima expostas são atuais e trazem uma ideia de modificação. Apesar de algumas diferenças, comungam do mesmo entendimento quando referem-se à fragmentação, à descontinuidade, entre outras características da era pós-moderna. Assim, a pós-modernidade vai surgir, para determinados autores, no período posterior à modernidade e exatamente contrapondo-se a esta em várias de suas características. A crença na verdade com base na razão e o linear histórico em direção ao progresso, características do modernismo, passam a ser alvo de críticas, trazendo o pós-modernismo, uma nova condição social e estética do estágio do capitalismo pós-industrial (Noreto, 2008). Para outros, como David Harvey, o pós-modernismo é uma continuação do modernismo, fruto de uma crise particular dentro do modernismo que põe em primeiro plano o aspecto fragmentário, efémero, caótico da fórmula de Baudelaire e que expressa uma profunda desconfiança face a qualquer enunciado que decida como devem conceber-se, representar-se ou expressar-se o eterno e o imutável (Harvey, 2004: 137).
Dentre as características do pós-modernismo poderemos considerar o risco, a fragmentação e a incerteza, como pontos chaves determinantes para o seu conceito. È interessante mencionar que a categoria do espaço é quem domina hoje a nossa vida quotidiana e nossas experiências psíquicas, divergindo do período anterior do alto modernismo, onde o tempo também era fator determinante (Jameson, 2007: 43). O sujeito perdeu a capacidade de organização de sua vida num complexo temporal, de forma que fica muito mais difícil que a produção cultural desse sujeito resulte em algo diferente de “um amontoado de fragmentos” (Jameson, 2007: 52).
A globalização, com o aparecimento de novas tecnologias e a revolução de transportes e das comunicações, foi responsável por uma diminuição das barreiras espaciais, e consequentemente por uma compressão espaço-tempo, tal como definida por Harvey (Harvey, 2007: 140). Essa redução do tempo teve como consequência a expansão do espaço tanto ao nível das relações quanto das interações sociais, tendo em vista a possibilidade de percorrermos grandes distâncias em um curto espaço de tempo (Massey, 2008: 138). Importa assim percebermos, que a globalização traz também como consequência uma maior familiarização com a diversidade e colabora para o aparecimento cada vez maior de culturas locais (Featherstone, 1997: 83). A globalização, portanto, é responsável pelo reaparecimento das identidades culturais em diversas partes do mundo (Giddens, 2000: 24). O aumento dos fluxos migratórios, ocasionado em virtude do desenvolvimento das tecnologias e da redução do espaço-tempo, e o consequente surgimento da multiculturalidade são exemplos das consequências deste tempo global. Precisamos, a partir daí, descobrir formas de conviver com as diferenças. Temos que aprender a lidar com toda a fragmentação e ambivalência desta época. É necessário também aprendermos com as diferenças.
De acordo com Giddens, o fenômeno da globalização provoca uma enorme disseminação de instituições ocidentais em todo o mundo e, portanto, pode ser visto como um fenômeno desigual que fragmenta e coordena ao mesmo tempo. Produz, portanto, formas inéditas de interdependências mundiais. Novas formas de riscos e perigos são criadas, promovendo possibilidades de longo alcance de segurança global (Giddens, 1991: 153). Isso acontece porque esses riscos, agora de grandes proporções, são provocados tanto pela atividade humana quanto pelas forças da natureza. O equilíbrio entre riscos e perigos alterou-se na pós-modernidade. Na era atual, tanto os riscos exteriores quanto os criados pelo ser humano merecem uma maior atenção dos governantes, tendo em vista as suas grandes proporções, alcançando muitos deles, natureza catastrófica. Para a sua contenção é necessária uma atuação conjunta dos governos devido a maioria destes riscos estarem concentrados no exterior dos países que os provocaram (Giddens, 2000: 41-42).
E aqui nos deparamos com a necessidade da ação conjunta nesta era, apesar de toda a característica de uma pós-modernidade fragmentada. O processo da globalização tem o escopo de nos manter interligados. Pese embora toda a fragmentação característica da era pós-moderna, não podemos nos desligar da ideia de buscar novos meios para agirmos em conjunto. Não obstante a existência dos riscos e as incertezas do mundo pós-moderno, estamos também vivendo um processo de globalização onde tudo está interligado. O que ocorre no Japão, nos EUA, na China, por exemplo, não passa despercebido em qualquer parte do globo. As influências vêm de todos os lados.
Giddens lembra que os vários Estados do globo, assim como as instituições (e.g. a família), os vários setores da sociedade (e.g. trabalho), a natureza e várias outras instâncias da sociedade, enfrentam atualmente riscos e perigos, ocasionando uma modificação em sua natureza. Assim, à medida que os países vão se modificando, criam também uma sociedade cosmopolita global. Esta sociedade, conforme a sua concepção, é quem está a ditar os contornos de nossa vida em qualquer lugar, apesar de não ser uma ordem global conduzida por uma vontade coletiva. Ao contrário disso, referida sociedade tem emergido de forma anárquica, ao acaso, movida por uma mistura de influências (Giddens, 2000: 28-29).
É aqui que devemos agir. Torna-se necessário entendermos/desafiarmos o fragmento, o particular, a especialidade, as diferenças, apreendendo e expondo o conteúdo total, holístico, entendendo e arrumando as contradições do presente, e evitando as armadilhas das ideologias, de maneira a podermos ultrapassar a situação atual e, consequentemente, mapear os caminhos do futuro. Devemos enfrentar o pós-modernismo, investigando as suas manifestações culturais tanto como uma forma de passagem para o novo tipo de hegemonia ideológica, quanto as configurações que permitirão desvendar “os germes de novas formas do colectivo” (Jameson, 2007: 7).
Assim, apesar da falta de consenso sobre a nomenclatura ou existência de um pós-modernismo e das divergências relativas ao aquando do seu surgimento, importa ressaltar que as suas características são comuns aos diversos estudiosos desse assunto. Seja entendido como um movimento autônomo, lógica cultural do capitalismo, como pensa Fredric Jameson, seja como uma modernidade líquida, como explicita Zygmunt Bauman, seja como uma continuidade do modernismo, como pensa David Harvey, o pós-modernismo continua a expressar as suas características pautadas na ideia de fragmentação, do crescimento nas margens de risco e incerteza, da falta de profundidade, da ambiguidade, do efêmero e do incentivo à diferença e à pluralidade.
Pese embora estas particularidades da era pós-moderna, não nos podemos esquecer de que vivemos também uma era de globalização que separa e, ao mesmo tempo, une. Fazemos parte de um época de interconexões onde o local influencia o global e vice-versa, onde nada está, de fato, disperso. Com o nosso olhar voltado para esta dicotomia, devemos buscar soluções para a convivência em nossas diferenças e para os nossos problemas. Estas resoluções, contudo, somente poderão ser alcançadas por meio de nossa ação em conjunto, uma vez que o risco originado em uma localidade expande-se geralmente para o todo, não é mais um problema específico do local. Vivemos recentemente e ainda atualmente, um exemplo claro da era pós-moderna e que se relaciona também com a globalização. Uma amostra desta conexão entre o local e o todo é a pandemia do coronavírus (COVID-19), a qual rapidamente espalhou-se para várias partes do mundo, e independente de onde tenha surgido, necessitou de ação conjunta mundial para ser combatida. É necessário agir em conjunto face a fragmentação.
Assim, se uma das características do pós-modernismo passa pela fragmentação, devemos, então, buscar novos meios para uma abordagem conjunta direcionada à resolução dos problemas derivados dessa fragmentação. Não podemos ter uma visão em pedaços. O todo, o global, é também importante nesta era em que vivemos. Queiramos ou não, precisamos do todo. Faz parte do homem pós-moderno conviver com a ambivalência, adaptando-se ao problema da fragmentação, e ao mesmo tempo buscar soluções afetivas e comunitárias (Bauman, in Featherstone, 1997: 109). Devemos compreender o fragmento, o particular, a especialidade, as diferenças e afrontar os novos riscos e perigos criados principalmente pelo homem. Não há como fugir a esse dinamismo social global. A atual era de globalização facilita o aparecimento destas diferenças em todos os setores, aumenta os riscos, mas ao mesmo tempo exige uma resposta conjunta da sociedade.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt (1999), Globalização: As conseqüências humanas, Tradução: Marcus Penche, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.
FEATHERSTONE, Mike (1997), “Culturas Globais e Culturas Locais” in Fortuna, Carlos (Org.), Cidade, Cultura e Globalização, Oeiras, Celta Editoras.
GIDDENS, Anthony (1991), As consequências da modernidade, São Paulo, Editora UNESP.
HARVEY, David (2004), La condición de la posmodernidad: Investigación sobre los orígenes del cambio cultural, Buenos Aires, Amorrortu editores.
HARVEY, David (2007), Espacios del capital. Hacía una geografía crítica, Madrid, Ediciones Akal.
JAMESON, Fredric (1997), Pós-modernismo: A lógica Cultural do Capitalismo Tardio, Editora ática.
MASSEY, Doreen (2008), Pelo espaço: uma nova política da espacialidade, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro (Brasil).
NORETO, Thaís Maia (2008), “A globalização da (indústria) da cultura”, in Advérbio 5.
OMS (2022), Discurso do Diretor da OMS, Dr Tedros Adhanom Ghebreyesus.
*Juliana Cardoso Ribeiro é Doutora em Sociologia pela Universidade do Porto (Portugal), Mestre em Estudos Europeus pela Universidade do Minho (Portugal) e graduada em direito pela Universidade Federal de Sergipe (Brasil). É a idealizadora e criadora do Terraço da Gente.
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