15 de agosto de 2023, 17:00

Crônica de autoria de João Dantas*

 

Quando minha grande amiga Gilda conseguiu esta casa, ela disse: 'Você não imagina onde vai morar, tem mangueira, jabuticaba e pitanga. A casa é da dona Ana, vai ser como aqui, nem precisa de contrato, é só mudar.

Penso deitado na minha rede, em frente à minha amada mangueira, que no mês passado estava em flores e abelhas. Hoje, os cachos de manga se formam e prometem um final de semana divertido com minha vizinhança, fazendo geleias, doces em calda, cremoso e o que mais pudermos. Observo que, independentemente dos meus conflitos, a vida segue em abundância.

Cheguei a duvidar que teríamos manga. Minha vizinha mais próxima de quintal, que não suporta o fruto, vivia reclamando da quantidade de flores secas. Há um conflito "bélico" Também! Aqui nesta árvore, araras, pombas verdadeiras e um mundo de pássaros dormem. 'Mas, há sempre um gato à espreita.' Lili e Pequi, as felinas, influenciadas por um certo instinto territorial, querem uma ave de dobro de tamanho, sei lá o porquê. São esses instintos. As aves meio que não levam isso a sério. As pequenas já foram repousar em outros bosques. 

As manhãs continuam, as mangas crescem. Já mostrei à vizinha que teremos mangas. Meu trabalho é quase como a dedicação de um monge. Salve a toxicidade da contemporaneidade, gente que poderia ser legal, mas são tão complicadas quando estão na pior, são solidárias, caridosas e bons Samaritanos: depois, não aprendem, vão em busca da privacidade da psicanálise. Gosta da psiquê e privacidade.

Esses dias, parei para agradecer a pessoa que plantou o pé de manga. Depois resolvi descobrir quem era. Sei que é o Osmar, que mora em Lisboa, eletricista. Teve um desamor e vendeu a casa para ir embora. A mangueira continua seguindo seu círculo de vida. Mandei um recado ao Seu Osmar, para que a vida seja generosa com ele.

Essa relação: mangueira, tempo de manga, os felinos, as aves, as vizinhas e a espera por um mundo de fartura e solidariedade começou há poucos meses. Já havia os outros seres e desejos, porém a graça dos cachos de manga é uma riqueza, e todas as minhas amigas aguardam o dia da celebração maior."

 

 

* João Dantas é doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal de Goiás. E-mail: joaodantas@ufg.br / Instagram:  @joaodantasanjos