E se os passarinhos soubessem das correntes elétricas sob seus pés?

15 de agosto de 2023, 17:00



Crônica de autoria de João Dantas*

 

Na trama complexa da vida cotidiana, onde fios elétricos esticados como cordas musicais conduzem eletricidade para lâmpadas, fogões e rádios outrora animados, algo fascinante acontece. Ao longo do tempo, essas cordas enrijecem e incham, carregando consigo histórias silenciosas de mudanças e resistência.

Imagine, minha querida irmã, aqueles fios que outrora eram tão tênues quanto um fio de esperança, agora inchados como lembranças acumuladas. E ali, no encontro desses fios, posam dois pequenos passarinhos. Não se sabe ao certo se são irmãos, amantes ou simplesmente companheiros de ocasião. Entretanto, a sincronicidade das posições sugere algo mais profundo, talvez um casal que, ao cair da tarde, compartilha pensamentos enquanto contempla o horizonte dourado pelo sol poente.

Esses passarinhos, alheios ao emaranhado de correntes elétricas que flui sob suas patinhas, encontram conforto no balanço suave dos fios. Ignoram, talvez por sabedoria ou inocência, que o mundo ao redor está impulsionado por ondas invisíveis - ondas de celular, ondas de micro-ondas, eletromagnetismo percorrendo cada centímetro do espaço que ocupam.

Enquanto essas ondas de conhecimento e conexão permeiam o ar, os passarinhos permanecem concentrados em sua própria jornada. O fascínio deles não reside na intrincada rede de informações e correntes invisíveis, mas sim nas possibilidades que o próximo voo reserva. Enquanto o sol se despede no horizonte, eles sonham com abrigos quentes e seguros para a noite que se aproxima.

E ali, no crepúsculo da narrativa, os fios continuarão a se esticar, a barriga inchada pelo peso do tempo. O senhor Antônio continuará a aquecer sua água para o café da manhã, preservando tradições que ecoam de tempos passados. Enquanto as notícias relatam tragédias humanas em uma cidade distante, o mundo dos passarinhos permanece intocado, uma paleta de cores e emoções em um retrato tranquilo.

Talvez, em nosso constante anseio por progresso e conexão, tenhamos deixado de lado a simplicidade dos passarinhos. Enquanto nos perdemos nas correntes do virtual, no zumbido das redes elétricas e nas complexas tramas das relações com nossos alter egos, esses pequenos observadores apreciam o momento presente. Olhar para o horizonte, traçar nossos próprios voos e encontrar abrigo nas pequenas alegrias, como o suave balançar dos fios.

 

* João Dantas é doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal de Goiás.
e:mail: joaodantas@ufg.br / Instagram:  @joaodantasanjos

 

 





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