Efemeridade do mundo pós-moderno e suas relações com a tecnologia
Efemeridade do mundo pós-moderno e suas relações com a tecnologia
Texto de autoria de Juliana Cardos Ribeiro**
Hoje, pensando na vida e nas questões que dizem respeito ao comportamento humano, resolvi dividir algumas reflexões pessoais que englobam o mundo pós-moderno, caracterizado por sua fragmentação, falta de profundidade, efemeridade, ambiguidade, desconexão com o passado, intensidade dos riscos e incertezas, e onde a tecnologia vem ditando suas regras. As tecnologias da comunicação, por exemplo, têm sido a nossa base, desde o seu desenvolvimento e avanços, ainda no século XX, quando a sociedade passou a ser uma sociedade da informação, especialmente em virtude da importância dos processos de comunicação para os mais diversos setores das sociedades, incluindo aqui os setores sociais, políticos e econômicos. Estas divagações sobre estes assuntos, conduziram-me rapidamente a uma lembrança do passado…
Quando eu era criança e até ao início da minha vida adulta, a forma de vivermos era bem diferente das experiências dos dias atuais. Lembro-me de sempre sair de casa e ter contato com os meus amigos, e isso se dava em turnos inteiros. Não tínhamos celular, laptop ou computadores, e os telefones ainda tinham fio. A comunicação era, então, cara-a-cara e ninguém nos localizava a qualquer hora. Não estávamos disponíveis 24 horas por dia e podíamos dormir sem receios de sermos acordados com mensagens, quem sabe, até do nosso chefe, como pode acontecer na atualidade. Ligávamos e deixávamos recado: “Fulano está? Você pede a ela/ele para ligar para mim quando chegar, por favor?” Era assim, o nosso comportamento. Geralmente o recado era dado e nos telefonavam de volta. Para alguém de uma geração mais recente, talvez seja impensável viver desta forma, mas a verdade é que ao termos o nosso tempo para “nós mesmos”, sem que precisemos estar “presentes” o tempo inteiro para os outros, nos dá mais “paz de espírito” e menos ansiedade.
O mundo tinha um ritmo mais lento e por isso mesmo, havia tempo para a profundidade. Tínhamos tempo para cultivar as nossas amizades e as nossas relações interpessoais de uma forma mais profunda. Com o desenvolvimento das tecnologias, o ritmo da vida também foi-se transformando. Os telefones passaram de fio curto a fio longo, sem fio dentro de casa a sem fio fora de casa. Antes, eram grandes como tijolos e depois, diminuíram de tamanho e de espessura. Em seguida, veio o chip e o uso da internet acoplado. Pronto! Agora tínhamos tudo. Hoje não podemos mais viver sem eles.
Passamos atualmente a ser encontrados em qualquer lugar, mesmo que estejamos do outro lado do planeta. Não temos mais que esperar o outro voltar para casa e, somente então, retornar a nossa chamada. As distâncias entre as cidades também diminuíram, em virtude de um processo ao qual Harvey chamou de compressão espaço–tempo, ou seja, conseguimos atravessar grandes distâncias em um curto espaço de tempo, devido ao desenvolvimento das tecnologias. O mundo tornou-se mais rápido.
Apesar das vantagens de termos um telefone, um computador e internet à mão a qualquer momento, não consigo também deixar de pensar nos benefícios do sossego que tínhamos antes. As relações pareciam ser mais profundas e menos rápidas ou voláteis. É inegável que o mundo pós-tecnológico nos tenha proporcionado também grandes benesses, crescimento e tenha corroborado fortemente para o desenvolvimento em vários aspectos das sociedades. O desenvolvimento da internet e demais tecnologias nos trouxe avanços na área da saúde, educação, da economia, transporte, e em inúmeros outros setores, e nos proporciona grandes benefícios, de modo que atualmente é necessário viver a partir delas. Não questiono a tecnologia, mas a forma como lidamos com este processo de desenvolvimento tecnológico e a efemeridade do mundo atual.
Com o surgimento da internet, começamos também a nos comunicar por meio dela. Se, de início, utilizávamo-nos somente de e-mails, passamos com o tempo a usarmos as redes sociais, concomitantemente, para este fim. No entanto, apesar da facilidade e da velocidade das comunicações, que foram alcançadas em virtude do desenvolvimento da internet e demais tecnologias, começamos a evitar o contato direto com o outro. As relações passaram a ser estabelecidas por meio de mensagens de texto, e agora também áudio e vídeo, seja através do whatsapp, facebook, instagram ou outra rede social qualquer. Se antes telefonávamos para alguém, sem cerimônia, hoje é de bom-tom enviarmos mensagens em lugar de fazermos uma ligação. Penso que essa mudança de comportamento pode ter sido um meio de defesa, diante da falta de privacidade instalada, em virtude da velocidade das tecnologias de comunicação. Ou seja: como a comunicação é rápida e fácil, é possível que ela tenha passado a se dar em forma de mensagens, como forma de evitar a invasão de espaço de uma pessoa por outra. No entanto, vivemos um período de contradições. Por conta disso, ao mesmo tempo em que se evita o contato, há uma utilização desenfreada das redes sociais, as quais estão recheadas de selfs e vídeos, e onde a “imagem” passada para o público tem grande importância e fluidez. É bastante habitual haver publicações de vídeos ou fotos de pessoas comuns no instagram, utilizando-se de filtros para mascarar as suas rugas, idade ou transformar as suas faces, em uma tentativa de passar uma imagem irreal e esconder a sua verdadeira aparência. É comum indivíduos “trocarem as faces” por outras que não existem e nem existiram no passado. Sim! Os filtros têm este poder de, não somente retirar as rugas, mas de transformar o rosto de um indivíduo em outro. São filtros que transformam aqueles que os utilizam, em pessoas completamente diferentes. Outros rostos, outras faces surgem, a partir deste meio ilusório. Pergunto-me se o indivíduo que utiliza tão intensamente deste subterfúgio tem consciência de que não é ele quem aparece na tela ou se ele está também enganado, em razão de uma busca incessante e cega por beleza e jovialidade, característica desta era marcada pela superficialidade. Pergunto-me se não estaria ele tão submerso neste ambiente, ao ponto de perder a visão e adentrar nesta cegueira. Tudo isso passa-se, ainda, com uma característica de efemeridade. As imagens são construídas para durarem pouco tempo, seguindo as exigências desta era pós-moderna. O indivíduo é, então, compelido a produzir imagens que se diluirão ou deixarão de existir em 24 horas, como no caso dos stories.
E se tudo é desta forma hoje, imagine com o desenvolvimento do metaverso, um mundo virtual onde a realidade se mescla com a realidade aumentada. Para quem ainda não sabe ou não “se ligou” nesta nova onda da tecnologia, o metaverso será capaz de dar ao indivíduo uma vivência virtual da sua realidade, através das tecnologias das realidades virtual e aumentada, as quais poderão ser acessadas por meio de manoplas e óculos conectados aos computadores. Esta tecnologia vem se desenvolvendo e crescendo, especialmente após o facebook modificar o seu nome para META, em outubro de 2021, e promete chacoalhar o nosso futuro, diminuindo as fronteiras entre o real e o virtual, inclusive no setor laboral. Isto é fantástico! O que dizer então da inteligência artificial, que vem evoluindo rapidamente? Estamos preparados para tudo isso? Será que saberemos usar esta tecnologia, sem que haja efeitos negativos ou devastadores para nós mesmos? Até onde o ser humano chegará com tudo isso? Tiraremos bom proveito desta nova tecnologia ou nos perderemos no caminho? Penso que temos que aprender a não nos deixarmos morrer.
Neste momento, lembro do filme Surrogates (substitutos, no Brasil), onde os indivíduos utilizando-se da tecnologia, deixavam seus corpos nos quartos de sua casa e viviam outra realidade em corpos de androides substitutos, como forma de se protegerem das ameaças externas. O que dizer, então, deste, quem sabe, futuro que nos espera, na verdade, ainda muito mais trabalhado, e cujas reações já estão anunciadas, ou quem sabe, iniciadas, por meio da utilização dos inúmeros filtros disponíveis que cobrem as nossas verdadeiras faces no mundo da internet?
O que dizer, ainda, da velocidade estabelecida no mundo, face a implementação e desenvolvimento das tecnologias? Estamos mentalmente preparados para isso?
Vários estudos recentes demonstram a associação entre redes sociais e casos de depressão, especialmente em adolescentes e crianças, e que se alastram a vários setores das sociedades. Uma pesquisa realizada pela Royal Society for Public Health, instituição de saúde pública do Reino Unido, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem, por exemplo, constatou que o aumento das taxas de ansiedade, depressão e sono ruim nos jovens está associado ao uso das redes sociais. De acordo com referida pesquisa, além dos transtornos de ansiedade, cerca de 80.000 crianças e jovens no Reino Unido sofrem com depressão grave e há evidências crescentes ligando o uso das redes sociais aos casos de depressão (Royal Society for Public Health, 2017). Podemos também citar o exemplo de uma pesquisa realizada em Aracaju, em 2015, relacionada com o uso da internet e redes sociais com sintomas de ansiedade e depressão entre os estudantes de medicina, a qual constatou que a utilização excessiva da internet traz sintomatologia ansiosa e depressiva, que prejudica o desenvolvimento acadêmico dos usuários (Moromizato, 2015). Assim como estas pesquisas, outras existem, neste mesmo sentido, em relação a vários setores e também, em outros países. Considerando estes resultados, já imaginou o que acontecerá com a sociedade, quando as tecnologias virtuais se desenvolverem ainda mais e se até este tempo (que já está se transformando agora) não tivermos modificado a forma que lidamos com ela?
Vale a pena refletir também sobre a necessidade incessante da imagem perfeita de si mesmo e sobre a busca por fuga da realidade. Do que fugimos? Por que fugimos? E quem somos nós de verdade neste mundo efêmero e líquido? Não estaria tudo extremamente raso? E onde verdadeiramente estamos nestes lugares irreais? Por agora, vale a pena refletir… Como você tem lidado com estas questões? Como você tem encarado a falta de profundidade, efemeridade e ambiguidade do mundo pós-moderno e o avanço tecnológico?
Precisamos utilizar a tecnologia ao nosso favor, sem violentarmos a nossa essência e a nossa realidade, sem “matarmos” a nós mesmos, em prol de um mundo figurado, e acima de tudo, respeitando a nossa saúde mental.
Fontes e referências:
Royal Society for Public Health (2017), Social media and young people’s mental health andwellbeing.
Moromizato, Maíra Sandes; Ferreira, Danilo Bastos Bispo; de Souza, Lucas Santana Marques; Leite, Renata Franco; Macedo, Fernanda Nunes e Pimentel Déborah (2015), O Uso de Internet e Redes Sociais e a Relação com Indícios de Ansiedade e Depressão em Estudantes de Medicina, Revista brasileira de Educação Médica, 41 (4)
*Fotografia: Freepik
Sugestão de Leitura: A era pós-moderna e o processo de globalização
**Juliana Cardoso Ribeiro é Doutora em Sociologia pela Universidade do Porto (Portugal), Mestre em Estudos Europeus pela Universidade do Minho (Portugal) e graduada em direito pela Universidade Federal de Sergipe. É a idealizadora e criadora do Terraço da Gente.
Leia mais artigos de Juliana e outros autores na categoria Artigos e Crônicas

Deixe um comentário
O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *