Não ao Etarismo: Um combate indispensável
Texto de autoria de Juliana Cardoso Ribeiro*
“Etarismo refere-se aos estereótipos (como pensamos), preconceito (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) em relação a pessoas com base em sua idade. Pode ser institucional, interpessoal ou autodirigida. O etarismo institucional refere-se às leis, regras, normas sociais, políticas e práticas de instituições que restringem injustamente as oportunidades e sistematicamente desfavorecem os indivíduos por causa de sua idade. O etarismo interpessoal surge em interações entre dois ou mais indivíduos, enquanto o etarismo autodirigido ocorre quando o etarismo é internalizado e voltado contra si mesmo”
(OMS, 2021) (Tradução nossa).
O texto em destaque traz a definição do etarismo concebida pela Organização Mundial da Saúde no Relatório Global sobre o Etarismo, da Organização Mundial de saúde, do ano de 2021, sobre o qual neste artigo, gostaria inicialmente de refletir. Conforme esta definição, o etarismo refere-se a estereótipos, preconceitos e discriminações em relação a pessoas em virtude da idade, podendo ser institucional, interpessoal ou autodirigida. Assim, as ideias e pensamentos, os sentimentos e ações que temos sobre os outros e, inclusive, sobre nós mesmos, e que estejam baseados na idade, são consideradas etarismo. Exatamente isso. Ideias e pensamentos que nos diminui, priva de atitudes e coloca em cheque a nossa possibilidade de “sermos” como e quando quisermos, em virtude da idade, são colocados inclusive por nós mesmos. São pensamentos que nos privam de viver uma vida plena e que nos tornam escravos de padrões impostos e absorvidos da sociedade, tidos como normais. Atitudes de terceiros que nos privam de trabalho em razão da idade, que nos tiram a normalidade de amarmos em qualquer idade, por exemplo, também são etarismo.
O etarismo começa desde cedo, na infância, e é reforçado ao longo do tempo de vida de uma pessoa, e ocorre em virtude da internalização das sugestões de estereótipos e preconceitos inseridos no contexto de uma cultura, de modo que as pessoas inseridas em cada contexto cultural, usam os estereótipos para inferir e orientar seus sentimentos e comportamentos em relação a outras pessoas e a si mesmos (ONU, 2021). Deste modo, afeta a todos, desde crianças de 4 anos, a partir de quando se tornam conscientes dos estereótipos de idade de sua cultura, adolescentes, adultos e idosos, e acontece em inúmeros setores de vários atores sociais, e.g, governo, agências, organizações da sociedade civil, setor privado, e até no relacionamento que temos conosco, conforme entendimento da Organização Mundial da Saúde. Assim, o etarismo pode acontecer em políticas públicas, no caso de discriminação em relação à idade, no comportamento paternalista em relação a pessoas mais idosas e mais jovens e nos estereótipos internalizados sobre aquilo que uma pessoa de determinada idade pode ou não fazer (ONU Newsroom, 2021). Não é raro, por exemplo, sabermos de situações em que tanto as pessoas mais jovens, quanto mais idosas, não conseguem obter determinado emprego em virtude da sua idade, seja pela alegação de não ter experiência, em virtude da pouca idade, seja em virtude da afirmação de que a pessoa de mais idade não possui o mesmo vigor e disposição para o trabalho. O fato é que isso tem ocorrido diariamente, pelo menos, nas diversas culturas dos países ocidentais.
É importante salientar, contudo, que de acordo com a Organização Mundial da Saúde, metade da população do mundo é anti-idade em relação aos idosos. No entanto, na Europa, a única região para a qual existem dados disponíveis em todas as faixas etárias, os mais jovens relatam sentir mais discriminação por idade do que as outras faixas etárias (ONU Newsroom, 2021). A Organização Mundial de Saúde também alerta que o etarismo é capaz de influenciar e modificar a forma como nos vemos, pode desgastar a relação e a solidariedade entre pessoas de diferentes gerações e pode limitar a possibilidade de nos beneficiarmos do que as pessoas mais jovens e os mais idosos são capazes de contribuir, assim como é capaz de afetar a nossa saúde, longevidade e bem-estar, sem falar das consequências de longo alcance que podem atingir a economia (ONU Newsroom, 2021). O Relatório Global sobre o Etarismo, do ano de 2021, frisa que uma em cada duas pessoas no mundo tem atitude discriminatória que provoca a piora na saúde física e mental de idosos, diminuindo a sua qualidade de vida (ONU, 2021). Neste sentido, importa ressaltar que o etarismo, conforme reconhecido pelos Membros da Organização Mundial de Saúde na estratégia global e plano de ação sobre o envelhecimento e saúde e através da Década do Envelhecimento Saudável: 2021–2030, é uma grande barreira para as políticas efetivas e ações para o envelhecimento saudável. O Relatório Global sobre o etarismo de 2021 sublinha, ainda, as graves consequências que o etarismo pode causar na saúde e bem-estar das pessoas e nos seus Direitos Humanos, frisando que para as pessoas mais idosas, o etarismo estaria associado a uma vida mais curta, pior saúde física e mental, recuperação mais lenta de deficiências e problemas e declínio cognitivo. O etarismo também pode diminuir a qualidade de vida dos idosos e aumentar o seu isolamento social e solidão, restringindo também a sua capacidade de expressar a sua sexualidade, podendo aumentar o risco de violência e abuso contra idosos. Deste mesmo modo negativo, o etarismo também é capaz de reduzir o comprometimento dos jovens em relação a organização para qual trabalham (ONU, 2021).
Além de sublinhar as consequências trazidas pelo preconceito e discriminação em virtude de estereótipos, o Relatório Global sobre o Etarismo do ano de 2021, realça uma estrutura de ações, com o objetivo de diminuir o etarismo, trazendo recomendações para diferentes atores, como e.g. o governo, agências da ONU, organizações da sociedade civil, setor privado, entre outros, sugerindo três estratégias, as quais estão subdivididas em política e Lei, atividades educacionais e intervenções intergeracionais, de modo que a discriminação e a desigualdade de base na idade, assim como a proteção dos direitos humanos, está a cargo da política e da lei; o aumento de empatia e a eliminação de equívoco sobre as faixas etárias e redução de preconceitos podem ser melhoradas e tratadas através de políticas educacionais, enquanto a diminuição de preconceitos e estereótipos intergrupais também podem ser alcançadas por meio de atividades intergeracionais, consideradas da mesma forma, importantes no combate ao etarismo.
Diante de todo o exposto, deixo algumas perguntas para reflexão. Quantas pessoas você conhece, que tenham esta forma etarista de pensar, sobre si mesmo e sobre os outros? Quantas pessoas você conhece, que criticam o tamanho do short ou do vestido em razão da idade (creio que esta questão, para além do etarismo, ainda é agravada, se pensarmos na questão do gênero)? Quantas pessoas você conhece, que criticam casais idosos que se beijam na rua? Ou criticam casais que tenham grande diferença de idade (especialmente se for mulher)?. E quanto você critica sobre você mesmo e sobre o outro?
É hora de refletirmos a respeito de tudo isso. Tempo de mudarmos padrões de comportamento que nos engessam e causam mal a outras pessoas e a nós mesmos. A vida é feita para vivermos em sua plenitude. Estas arestas são limitações sem sentido que minam a nossa felicidade. Como pode uma pessoa de quarenta anos ter dificuldade de conseguir emprego por ser considerada “velha”? Acredito que aqueles que já chegaram a esta faixa etária podem entender bem esta reflexão. E por outro lado, como podemos dizer que os mais novos, nada sabem? Importa, no combate ao etarismo, o respeito pelo ser humano, independente da idade, o respeito à liberdade de “sermos” o que quisermos ser. Porque somos livres desde que nascemos (ou deveríamos ser) e não precisamos de amarras mentais ou impostas por outros. Se cada indivíduo conseguir olhar para dentro de si, verá as amarras sem sentido e as armadilhas que ele mesmo colocou sobre si mesmo. A mudança começa a partir de nós, de olharmos para dentro, e deve se expandir através da conscientização do outro e da implementação de políticas públicas de conscientização da população e de intervenções intergeracionais, tal como proposto pela ONU. Precisamos nos conhecer melhor, a nós e ao outro, e dizermos não a toda forma de opressão. Não ao Etarismo!
REFERÊNCIAS:
ONU Newsroom (2021), Ageing: Ageism, publicado em 18 de março de 2021.
**Juliana Cardoso Ribeiro é Doutora em Sociologia pela Universidade do Porto (Portugal), Mestre em Estudos Europeus pela Universidade do Minho (Portugal) e graduada em direito pela Universidade Federal de Sergipe. É também a idealizadora e criadora do Terraço da Gente.

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