Por que os brasileiros decidem imigrar para Portugal?
Texto de autoria de Juliana Cardoso Ribeiro*
Um brave histórico sobre a imigração de brasileiros em Portugal
As razões econômicas ou financeiras, a violência no Brasil, circunstâncias de perseguição (no caso de violência doméstica, por exemplo), o simples desejo de morar fora do país, e outras motivações, estão entre as várias fundamentações dadas pelos brasileiros que decidem emigrar. A situação de crise ou de prosperidade do Brasil também influencia para o aumento ou diminuição deste processo de emigração. É o caso, por exemplo, da forte crise econômica que assolou o Brasil na década de 80, ou da recente crise política e social, ambas marcos do aumento da emigração de brasileiros.
Conforme informações do Ministério das Relações Exteriores, em 2020, os Estados Unidos possui oficialmente, o maior número de brasileiros (1,7 milhões), seguido de Portugal (276 mil), Paraguai (240 mil), Reino Unido (220 mil) e o Japão (211 mil). Estes números não incluem a quantidade de brasileiros que vivem ilegalmente nestes países (CNN, 2021).
Segundo o relatório dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, ano de 2022, a população brasileira é a principal comunidade estrangeira residente em Portugal e representa 30,7%, do total de 781.915 cidadãos estrangeiros possuidores de autorização de residência no país (SEF, 2022). Houve, então, um crescimento do número de residentes brasileiros, em comparação ao ano de 2021, quando esta nacionalidade representava 27,8%, do total de imigrantes residentes no país, e perfazia um total de 183.993 brasileiros residentes (SEF, 2021). Atualmente existem 239.744 brasileiros com título de residência válido em Portugal, sendo 110.746 homens e 128.998 mulheres (SEF, 2022). É importante ter em atenção, que não estão incluídos neste número, os brasileiros em situação irregular ou que adquiriram a nacionalidade portuguesa.
A relação entre Brasil e Portugal remota desde a época em que os portugueses chegaram pela primeira vez ao Brasil e cresceu com o período da colonização. De lá para cá, o fluxo de pessoas entre os dois países também aconteceu, como fruto desses laços históricos. Na década de 60, começou a intensificar-se a quantidade de brasileiros em terras lusitanas. Naquela época, 6.357 imigrantes já moravam no país. Este número cresceu ainda mais na década de 80, em virtude da crise econômica do Brasil. Em 1981 moravam 9.962 brasileiros em Portugal, alcançando um total de 13.499 em 1991. (Padilla, 2010).
A vaga que chegou na década de 80 era maioritariamente composta por indivíduos com qualificação acadêmica (Góis e Marques, 2008). Até ao final dos anos 90, os brasileiros residentes em Portugal eram representados por trabalhadores qualificados do setor terciário, como por exemplo, do setor de informática (Baganha, 2009), ou os dentistas que tinham chegado logo no princípio dos anos 80. A partir deste período e no começo dos anos 2000, houve uma transformação nesta roupagem e começaram a chegar a Portugal, brasileiros possuidores de menor qualificação acadêmica, seguindo um processo de “proletarização” (Padilla e Ortiz, 2012). Nesta época, a quantidade de brasileiros em Portugal também cresceu. No ano de 2003, as mulheres passam a ser a maioria neste processo migratório.
Nos dias atuais, devido a problemas econômicos e, especialmente, à falta de segurança pública que assola grande número de cidades brasileiras, entre outros problemas pelos quais o Brasil tem atravessado, um outro tipo de imigração brasileira tem chegado a Portugal. Entre os brasileiros recém-chegados, estão os aposentados, pessoas de maior poder aquisitivo, indivíduos com atividade de investimento, e profissionais independentes, os quais vêm para Portugal, fugindo do cenário caótico brasileiro.
Algumas razões de escolha dos brasileiros por Portugal
Neste artigo, colocarei algumas respostas sobre a indagação do porquê os brasileiros decidem imigrar para Portugal e farei uma breve reflexão sobre o processo de escolha dos brasileiros que decidiram imigrar para esse país, o segundo destino mais escolhido pelos brasileiros para morar.
No ano de 2010, ao realizar a minha pesquisa de mestrado com mulheres brasileiras residentes em Portugal, fiz especificamente esta pergunta a cada uma delas: “Por que você decidiu imigrar para Portugal?” Portugal foi o primeiro país de destino escolhido pela maioria das entrevistadas. As motivações não eram uniformes e geralmente havia mais de um motivo de escolha. Ao analisar as representações destas brasileiras, concluí que a partilha do mesmo idioma, a existência de redes sociais, assim como a facilidade de regularização em Portugal, em virtude dos vários acordos com o Brasil, tornaram-se os principais fatores responsáveis pela imigração daquelas mulheres para Portugal.
A insegurança das cidades no Brasil e a concepção de Portugal como um país seguro, também é motivo da escolha por Portugal como um destino migratório, muito embora, conforme mencionei acima, estas motivações geralmente não sejam consideradas individualmente.
Os laços históricos entre Brasil e Portugal também trazem políticas mais atrativas de imigração para os brasileiros que vão residir em Portugal, as quais podem ser exemplificadas através de políticas referentes ao processo de regularização de brasileiros naquele país, estatuto de igualdade de direitos, da existência de acordos de reciprocidade em matéria de seguridade social ou assistência consular, entre outras. Estas facilidades são atraentes e acabam por ser motivações da escolha de Portugal como país de destino de muitos brasileiros.
Uma segunda causa de atração de brasileiros para as terras lusitanas é a circunstância de se falar português em Portugal. Muito embora haja algumas divergências entre o Português europeu e o Português do Brasil, este é um dos principais motivos que levam o brasileiro a escolher Portugal como país de destino. De fato, a circunstância de Portugal também ter o Português como língua oficial, facilita muito a integração destes imigrantes, na medida em que a comunicação é uma característica primordial para o início do processo de integração tanto social como laboral. O conhecimento do idioma português e.g. permite e facilita o processo de aquisição de empregos. No entanto, apesar da escolha dos brasileiros estar fortemente baseada na identidade linguística entre os dois países, considero importante mencionar que esta premissa “falo português, logo me integro” não é tão linear.
Em minha pesquisa para o doutorado que concluí em 2018, feita também com brasileiros residentes no Porto, foi possível averiguar algumas situações de preconceito e discriminação em relação a variante brasileira da língua portuguesa, as quais são sentidas especialmente nos casos em que a brasileira ou o brasileiro tenha um emprego, cuja base seja exatamente o uso do português, como por exemplo, é o caso das secretárias ou professoras de infância. Foram também mencionados casos de preconceito relativo ao português brasileiro, nas universidades.
Apesar da existência destes preconceitos e discriminações, é inegável a importância desta identidade linguística no processo de integração dos brasileiros em Portugal. Apesar das adversidades mencionadas acima, falamos a mesma língua e é incontestável que esta circunstância faz uma enorme diferença na integração dos brasileiros na sociedade portuguesa. Esta identidade linguística permite que haja comunicação com os nacionais portugueses, desde o momento em que o imigrante brasileiro chega em terras lusitanas, e esta interação linguística de início, com certeza, facilita todo o processo inicial de imigração.
A presença das redes sociais no país é uma outra causa que tem sido também bastante relevante neste processo de imigração para Portugal. As redes sociais são amigos, parentes e conhecidos, que já estão no país de recebimento e que, de alguma forma, vão dar suporte ao imigrante que chega por lá, seja guiando-o no processo inicial, seja recebendo-o em sua moradia, ou através de qualquer outra forma de suporte, facilitando a sua chegada. Saliento, contudo, que muito embora a presença das redes sociais seja uma característica marcante em Portugal, a maior parte dos brasileiros atravessam o processo migratório sem grande conhecimento a respeito da sociedade de recebimento ou com um olhar utópico sobre como será a sua vida em Portugal, e acabam sofrendo ou passando por maiores dissabores, em virtude desta ingenuidade ou falta de conhecimento prévio sobre a sociedade portuguesa. Muitos fazem esse trajeto migratório com uma ideia ilusória de um país e de uma estadia “conto de fadas”.
Considerações que devem ser feitas antes da imigração
Lembro ao leitor, que existem diferenças culturais e de hábitos e até mesmo de interpretação da linguagem. É necessário que aquele que imigra para qualquer país, tenha conhecimento das adversidades que podem acontecer durante o processo.
Portugal é um país que aprecio muito. É um país lindo, que me recebeu “bem e de braços abertos”, pelo qual tenho grande apreço e com o qual construí grandes laços ao longo de todo este tempo do meu processo migratório, apesar de algumas adversidades atravessadas no caminho. As diferenças entre o Brasil e Portugal existem, sobretudo culturais, climáticas, entre outras, e devem ser consideradas, da mesma forma que devem ser observadas na decisão de imigração para outros países. As adversidades relativas a preconceito e discriminação também podem acontecer, a depender de cada processo individual de imigração. Cada pessoa é única e os processos migratórios também serão.
É crucial ter em mente que a imigração não finda quando se chega ao país de destino. Na verdade, é a partir do momento da chegada que se inicia todo o processo de integração do imigrante, e será um processo que perdurará durante toda a sua estadia. É fundamental que aquele que decida atravessar este processo tenha consciência disso. A vida muda. É muito importante lembrar sobre o processo de redefinição pela qual o imigrante passa em um processo migratório. Trata-se de uma cultura diferente, com clima diverso, e modos de vida que o imigrante não conhece e com o qual não está acostumado, entre outros aspectos divergentes, e que devem também ser considerados. Imigrar não é o mesmo que tirar férias. Dá-se todo um processo de adaptação, integração a um novo país, a uma nova sociedade, há um contato com uma nova cultura que culminará na mudança de identidade do próprio imigrante, a qual é moldada exatamente pelo contato com essa outra nova cultura.
Referências:
CNN Brasil (2021), Número de brasileiros no exterior cresce e chega a 4,2 milhões
PADILLA, B. (2010), Migraciones transatlánticas y globalización: brasileños en tierras lusas y el poder de las redes sociales. América Latina Hoy, Salamanca, v. 55, p. 85-114, sep., 2010. Disponível em: https://doi.org/10.14201/alh.7264. Acesso em: 22 fev. 2021.
PADILLA, Beatriz e ORTIZ, Alejandra (2012), “Fluxos migratórios em Portugal: do boom migratório à desaceleração no contexto de crise. Balanços e desafios”, Revista Internacional de Mobilidade Humama, Brasília, Ano XX, Nº 39, p. 159-184, disponível: http://www.scielo.br/pdf/remhu/v20n39/v20n39a09.pdf, acessado: 13 de Abril de 2016.
SEF – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (2021), Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2021.
SEF – Serviços de Estrangeiros e Franteiras (2022), Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2022.
*Foto: Freepik
**Juliana Cardoso Ribeiro é Doutora em Sociologia pela Universidade do Porto (Portugal), Mestre em Estudos Europeus pela Universidade do Minho (Portugal) e graduada em direito pela Universidade Federal de Sergipe. É também a idealizadora e criadora do Terraço da Gente.

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